Nada acontece
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Patricia Highsmith |
Quando eu era jovem, eu sempre estava obcecada com algum tema. Eram meses fascinada com algo até perder completamente o interesse. Agora, já uma senhora, direciono minha obsessão para coisas que eu gosto, e que na minha cabeça estão ligadas, de certa forma.
Eu sou contra assinar streaming por diversos motivos, mas acabei me rendendo ao Filmicca por motivos de R$60 pelo ano todo e um catálogo GLS recheadíssimo. Sou de fases no cinema, e passada a maratona Missão: Impossível bateu a cinéfila. Tenho tentado ver pelo menos um curta por dia. Nessas, vi que entrou lá um documentário sobre a Patricia Highsmith, e eu não resisto a um documentário sobre escritora.
A primeira vez que ouvi falar dela foi quando assisti ao filme O Talentoso Ripley. Logo soube que Pacto Sinistro do Hitchcock também tinha sido adaptado de obra dela. O primeiro livro dela que li foi Os Gatos, numa edição fofa da L&PM que eu comprei exclusivamente pela capa. Depois de um tempo li Ripley, li Carol e estou com a gigantesca biografia dela na fila. Ah, Carol é um dos meus filmes preferidos da vida. Tenho um pôster dele na minha sala.
Enfim, no documentário sobre a Highsmith eu soube que uma vez ela foi convidada para o festival de cinema de Berlin, justamente por ter quase todas as suas obras adaptadas para o cinema. Lá ela conheceu a artista Tabea Blumenschein, com quem teve um breve romance. Eu não conhecia essa atriz, mas fui pesquisar e vi que ela já tinha trabalhado com a diretora Ulrike Ottinger.
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Tabea Blumenschein |
Nesse ano teve uma mostra de filmes baseados em Virginia Woolf no CCSP, mas eu estava sem carisma algum e não fui. Um dos longas que estava na mostra era Freak Orlando, da Ottinger, diretora até então desconhecida para mim. Aproveitei para assistir a esse filme (que está no Filmicca) e minha nossa senhora, a brisa que é isto! Parece que a Ottinger deu as mãos ao John Waters e foi.
Freak Orlando, baseado no clássico da Woolf (e um dos únicos livros dela que eu ACHO que entendi o que estava acontecendo) traz Magdalena Montezuma e Delphine Seyrig nos papeis principais. Magdalena Montezuma trabalhou em diversos filmes de Werner Schroeter, inclusive em A Morte de Maria Malibran (que eu jurava que nunca tinha visto, mas o Letterboxd diz que vi e que dei 2,5 estrelas, em todo caso, vou rever).
Delphine Seyrig foi uma das maiores atrizes da história. Conhecida principalmente por ser a Jeanne Dielman da Chantal Akerman, ela também trabalhou com Marguerite Duras em India Song, e fez o papel da mãe de Sylvia Plath em Letters Home, também da Chantal Akerman. Ela também fez maravilhas como O discreto charme da burguesia, Escravas do desejo e O Ano Passado em Marienbad. Além disso, ela dirigiu o ótimo documentário Seja bela e cale a boca!.
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Delphine Seyrig/Jeanne Dielman |
Aproveitando o Filmicca, ontem assisti Retrato de uma bêbada, com a Tabea Blumenschein e a Magdalena Montezuma, dirigido pela Ottinger e com participação especial da Nina Hagen jovenzinha. Tenho gostado muito do cinema da Ottinger e a estética de cinema alemão destes anos 70 e 80 me deixa muito maravilhada.
Enfim, toda essa conexão de atrizes, diretoras e escritoras me deixa obcecada. Fiquei com vontade de rever Orlando da Sally Potter e talvez reler o livro da Woolf. Eu o li em 2018, lembro de ter tomado chuva com ele na mochila e o livro ter ficado todo podre. O primeiro da Woolf que li foi Ao Farol, quando tinha 18 anos e me achava muito intelectual. Reli esse ano, aos 36, e sigo sem entender muita coisa. Com a Woolf só me entendo na não-ficção, mas não vou desistir dela. Ah, seria legar reler e re ver As Horas, filme que marcou o início da minha vida adulta (já li Mrs. Dalloway duas vezes e sigo sem entender).
Tudo isso por causa de Patricia Highsmith, uma figura muito controversa. No documentário conta que no final da vida ela parou um pouco de escrever em seu diário, e quando o fazia era um monte de comentário racista e antisemita. Como pode uma sapatão ter sido tão errada assim? Enfim, é difícil gostar das pessoas. Eu não separo a obra do autor, fico com o coração pesado de curtir o trabalho deles. Enfim, sentimentos. E esses dias tive vários sentimentos com essas mulheres todas.