Notas sobre o cinema brasileiro
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Matou a família e foi ao cinema |
-E é nacional?
O primeiro filme que vi no cinema foi Lua de Cristal, aquele com a Xuxa e o Sérgio Mallandro como protagonistas (?). Esse longa foi dirigido por Tizuka Yamasaki, que tem diversos trabalhos no cinema e na televisão. Em 1999 eu tinha 12 anos e fiquei putíssima porque Central do Brasil, do Walter Salles, não ganhou o Oscar. Vi vários filmes da Globo com as amigas da escola.
Não sei direito quando me afastei do cinema nacional, mas lembro bem quando Limite, de 1931, dirigido pelo Mário Peixoto, apareceu nos fóruns que eu frequentava. Eu estava me familiarizando com o cinema de Bergman, vendo clássicos como Hilda e Casablanca. Nunca tinha visto nada disso no cinema brasileiro e fiquei maravilhada. Anos depois fiz um curso de cinema brasileiro com o Alfredo Sternheim e ele disse que Limite não era tudo isso.
Ano passado eu li A odisseia do cinema brasileiro, de Laurent Desbois (tradução de Julia da Rosa Simões) e fiquei obcecada com cinema nacional. Como toda obsessão minha, veio e foi. Agora peguei Uma situação colonial? do Paulo Emílio Sales Gomes (aqui uma curiosidade aleatória: ele está enterrado no Cemitério da Consolação, em São Paulo). Domingo passado eu fui até a Cinemateca, pela primeira vez desde a pandemia, para ver três filmes do Walter Hugo Khouri.
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Walter Hugo Khouri |
Eu cresci nos anos 90, então claro que eu ouvi falar da polêmica do "filme da Xuxa", não os da Yamasaki, mas sim aquele que o Pelé tentou barrar as exibições (dizem!). Só depois de muito tempo que eu descobri que o mesmo era dirigido por Walter Hugo Khouri. Antes de assistir ao filme amaldiçoado, aproveitei para ver seu mais famoso, Noite Vazia.
Noite Vazia é um filme maravilhoso estrelado por Norma Bengell e Odete Lara, que trata de vazio existencial, tédio, amarguras, aquele monte de coisa que aparece em filmes do Bergman. Assisti então Amor Estranho Amor e devo dizer que se tirarmos todas as cenas malditas, esse é um ótimo filme. Acho que o Khouri errou a mão, errou feio, mas o filme em si tem um ótimo enredo.
Uma vez fiz um curso sobre o Khouri e falaram de como ele considerado um burguês safado pelos colegas diretores. De fato, ele era rico e falava de gente rica, mas falava mal. Ele expõe os ricos ao ridículo em seus filmes. Muito do cinema daquela época era feito de adaptações de clássicos da nossa literatura, de histórias reais brasileiras, mas eu gosto bastante do que o Khouri estava fazendo. Inspirado pelos europeus? Copiando muita coisa? Pode até ser, mas o cinema dele era bem especial.
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Noite Vazia |
Aliás, uma pausa aqui para comentar que um dos que reclamavam do Khouri era o Glauber Rocha. Ele, rico, falava de uma realidade totalmente desconhecida para ele em seus filmes. O Khouri pelo menos estava falando do que conhecia. Ah, o curta Pátio, de 1959, do Rocha, é um belo filme de arte, cheio de metáforas e etc, um clima bem europeu. Então...
Na Cinemateca pude assistir a três filmes resturados do Khouri: As Deusas, Estranho Encontro e A Ilha. As Deusas me deixou encantada com a esquisitice e com as atuações da Lilian Lemmertz (mãe da Júlia Lemmertz, que atua em Lua de Cristal) e Kate Hansen. É tudo tão bonito e absurdo. Foi minha segunda vez assistindo Encontro Estranho. Nas minhas pesquisas vi que esse filme está em várias listas de terror nacional, então vou deixar para falar sobre ele no 365.
Não consigo dizer se gosto mais de As Deusas ou de A Ilha. Ah, vale mencionar que só existia uma versão horrível desse segundo, com áudio péssimo. Felizmente agora pudemos assistir restaurado impecavelmente. Enquanto As Deusas fala de relações humanas, psicanálise e limites do consentimento, A Ilha é um deboche puro de ricos. Sabe aquele Triângulo da Tristeza que estava nas premiações? Podemos dizer que A Ilha é a primeira versão. E bem melhor.
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A Ilha |
Tirei essa semana para só ver cinema brasileiro. Vi o mais recente da Ana Carolina, Paixões Recorrentes. Gostei, mas não sei se entrei direito no enredo. Finalmente assisti Matou a família e foi ao cinema do Júlio Bressane. Ele trata mais da realidade brasileira, mas de uma forma única e chocante. Trata de um relacionamento lésbico e tortura em meio à ditadura brasileira.
Até o momento meu filme brasileiro preferido é Eles não usam black tie. O terror nacional merece um post apenas para ele. Helena Solberg e Rita Moreira são diretoras que conheci recentemente e não me canso de indicar para as pessoas. Adélia Sampaio é considerada a primeira mulher negra a dirigir um longa no Brasil, o ousado Amor Maldito (que merecia uma linda versão em DVD). Dos mais recentes, o que mais gostei foi A primeira morte de Joana, da Cristiane Oliveira (que também dirigiu o interessante Mulher do Pai).
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Adélia Sampaio |
Em 2019 eu fiz uma lista de filmes brasileiros que tratavam da ditadura para a Deriva. Ainda tenho muitos filmes para ver e talvez mais ideias para escrever.